Pedro e o lobo: a medicina dentária no SNS

January 10, 2024

Pedro Nuno Santos afirmou no Congresso do Partido Socialista: “Iremos promover um programa de saúde oral que de forma gradual e progressiva garanta cuidados aos portugueses no SNS. E nesse esforço será fundamental a criação de uma carreira de medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde”. Ao ouvir tal promessa solene, central no discurso do novo secretário-geral do Partido Socialista não pude evitar uma sensação profunda de déjà-vu…

O Partido Socialista, desde 2016, criou três grupos de trabalho, um projeto-piloto, dois documentos estratégicos e assinou diversos protocolos de intenções. Afirmou várias vezes a necessidade de criar uma carreira de medicina dentária, chegando mesmo a anunciá-la em 2017.

Depois de tantas promessas e anúncios por parte de diferentes responsáveis governamentais desde 2016, não correrá Pedro Nuno Santos o risco de ser interpretado pela população da mesma forma que o outro Pedro, o da história infantil do “Pedro e o lobo”, que de tanto anunciar à aldeia que vinha aí lobo sem que tal se verificasse, quando o animal veio ninguém acreditou. E será que o lobo alguma vez virá?

Recordemos que atualmente menos de 20% dos portugueses conseguem aceder a cuidados de saúde oral. Aqueles que têm capacidade económica para pagar os tratamentos nos consultórios privados diretamente do seu próprio bolso, ou indiretamente por seguros de saúde, os beneficiários da ADSE e os sortudos utentes do SNS que conseguem ser referenciados para os poucos centros de saúde e hospitais onde existem gabinetes de saúde oral.

E, já agora, o que pensam os restantes partidos políticos desta questão a que Pedro Nuno Santos, muito bem, emprestou destaque central no Congresso do PS, como é a do acesso à medicina dentária? De que forma deverá ser operacionalizada? Duplicando a oferta no SNS ou aproveitando os mais de cinco mil consultórios de medicina dentária que existem no país, contratando pelo Estado tratamentos para a população? Ou uma combinação de ambas as abordagens?

Atento à realidade e aos anseios da nossa população, depois de 30 anos de exercício clínico da profissão e de 20 como bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, creio que estou a interpretar bem o sentir da população, dos destinatários da medicina dentária se se preferir, ao colocar estas questões para as quais se esperam respostas efetivas e sobretudo… ação concreta!

Este artigo foi publicado originalmente a 10 de janeiro de 2024 na edição online do Jornal de Notícias.


Business and pleasure in dentistry

December 18, 2023

The Portuguese words “Ócio” and “Negócio” have common roots.

The word “Ócio” comes from the Latin “otium”, which refers to free time, leisure, rest. Over time, this idea of free time evolved into the modern concept of leisure.

The word “negócio” comes from the term “negotium”, which is a combination of “nec” (not) and “otium” (leisure). So, originally, “negotium” meant something other than lei- sure, i.e. an occupation, activity or enterprise.

We’re not going to go into detail today about the importance of leisure, and in particular Being, to the detriment of Doing, particularly in today’s societies: for some reason we’re Human Beings and not Human Doings…

What I wanted to emphasize is the importance of valuing the concept of Business, because it has a very respectable origin.

We often hear people say that dentistry is not a business.

It seems to me that, in fact, what they’re trying to convey is that it’s not a business like any other.

In Portugal, for example, the law states that the performance of a dental medical act corresponds to a pecuniary consideration from the recipient of the services, without prejudice to the legislation applicable to voluntary work and social action. This recognises the obvious, which is that dentistry is not only a health activity but also an economic activity.

So what is the business in dentistry?

You can read the full article, in Portuguese or English, in the Portuguese monthly edition of Dentistry magazine:

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Os verdadeiros recibos verdes

December 13, 2023

A realidade dos profissionais liberais a “recibo verde” terá de ser encarada de frente por um novo Governo que sairá das próximas eleições legislativas e não deve ser confundida de forma ardilosa, como por vezes tem acontecido, com o combate aos falsos recibos verdes que mascaram uma relação contratual assalariada.

Os profissionais liberais qualificados, em particular os de idade mais jovem, têm razões para não acreditar num sistema que está falido no que respeita à capacidade de assegurar que aqueles que têm hoje entre 25 e 35 anos possam vir a usufruir de uma reforma em idade adequada, com valores dignos. Esta Geração Z que ainda não emigrou apresenta um défice enorme de proteção na paternidade, no desemprego, no risco de acidentes de trabalho e de doença, descontando 21,4% para efeitos de segurança social, enquanto os trabalhadores por conta de outrem descontam 11%.

O facto de o Governo ter decidido adiar a apresentação das conclusões da Comissão para a Sustentabilidade da Segurança Social para depois das eleições aprofunda ainda mais esta desconfiança. O pretexto invocado, verdadeiramente inacreditável, foi o de não contaminar a discussão pública no período pré-eleitoral.

Em vez de implementar e discutir medidas de fundo, o partido no Governo preferiu adiar uma vez mais uma reforma imprescindível em detrimento da aprovação no OE para 2024 de duas medidas ilustrativas, mas claramente insuficientes: uma que prevê a aplicação de uma taxa de retenção variável na fonte permitindo aos profissionais liberais que auferem menores rendimentos terem uma remuneração líquida superior. Seria uma medida relevante, caso fosse para aplicar… mas não; é apenas destinada a alterar o sistema informático da AT com vista a implementação futura da tal retenção variável. Portanto, uma mão cheia de pouco.

A outra, proposta pela Iniciativa Liberal, determina que o Governo terá de estudar em 2024 “a possibilidade e as condições de integração dos profissionais liberais e trabalhadores independentes nos regimes de licenças de parentalidade”, por forma a que possam efetivamente delas usufruir. Esperemos que venha a ser mais que um estudo…

Vamos estar atentos às propostas dos partidos políticos em 2024.

Este artigo foi publicado originalmente a 13 de dezembro de 2023 na edição impressa e online do Jornal de Notícias.

Consulte o artigo da edição impressa (pdf).

Aceda ao artigo da edição online.


Need and Desire in Dentistry

November 19, 2023

Dentistry, like other medical fields, lives in a limbo, in a conflict between its curative and aesthetic aspects.

Between the need to prevent, treat and rehabilitate functions and the desire to look better, to correct, to alter, to whiten, to align the teeth, jaws and attached structures for aesthetic reasons.

This conflict is resolved naturally with a holistic approach to these two inseparable aspects.

Aesthetics and function must fundamentally and for the dentist be integrable.

Clients, that is, all those who in their essence will be able to choose to whom they entrust the improvement or resolution of their perceived needs, more connected to function and felt desires, more connected with aesthetics, tend to separate both aspects.

You can read the full article, in Portuguese or English, in the Portuguese monthly edition of Dentistry magazine:

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The Bird Houses

October 21, 2023

Paulo Romão, recognized as one of the best Portuguese designers, boasts a resume and portfolio that speak for themselves.

He is the creative mind behind the logo and image of the Portuguese Association of Liberal Professionals.

He’s taken on a new project that I find extremely interesting and wanted to share with my friends and contacts around the world: The Bird Houses.

All Bird Houses are handmade and unique pieces built to order, taking the best out of the natural beauty of the materials. These are made from different types of wood, Burel (traditional portuguese wool textile), steel and high temperature glazed ceramic.

The unique combination of carefully chosen materials is what makes it an exclusive piece of design. There aren’t two pieces of wood the same. Therefore, there will never be two identical Bird Houses.

I invite you to check out this unique artistic concept on The Bird Houses.


Competition, cooperation and coopetition in dentistry

October 20, 2023

We need collective networks of providers and organizations that collaborate in coopetition to help design the salary and working conditions of dentists in Portugal.

I will start some reflection on the three concepts that give the title to this chronicle, identifying the concrete example of tourism in dentistry. It is a topic of the greatest relevance, multifaceted and with variants that I will address here in a sectoral way, although it may be deepened in a future publication.

First of all, let’s remember the basics, in the current organizational context of Portuguese dentistry, consisting of about 98% of operators working exclusively in the private sector: the fact that it is made available essentially through private sector financing, in direct out-of-pocket payments, including ADSE, including public and private insurances, health plans and conventions, stimulating competition to the detriment of a more virtuous combination with other approaches that would present numerous advantages in a reality of fragmentation of thousands of clinics and dental offices.

You can read the full article, in Portuguese or English, in the Portuguese monthly edition of Dentistry magazine:

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Agenda do Trabalho Digno tem efeitos perversos para os profissionais

September 29, 2023

A propósito do Fórum Profissional Liberal do fim de semana passado, o semanário Vida Económica publicou uma entrevista comigo, em que pude partilhar alguns dos desafios que afetam os profissionais liberais.

Explico que o intuito da Associação Nacional dos Profissionais Liberais (ANPL) é o de interagir com os profissionais liberais, com a sociedade civil e colocar de uma forma integrada, em cima da mesa, algumas das grandes questões que serão absolutamente determinantes para que esta forma de trabalho seja encarada pelos poderes públicos, pelo poder político, reguladores e sociedade civil de forma diferente, pois de facto é diferente o exercício liberal das profissões.

O número de profissionais liberais está a aumentar e representa quase 20% do emprego. Nesta entrevista houve espaço para discutir outros temas das profissões liberais, como a Agenda do Trabalho Digno, que vem interferir na liberdade de contratação e prestação de serviços.

Consulte a entrevista do Vida Económica na íntegra (pdf).


Dia Mundial das Profissões Liberais

September 16, 2023

Profissionais liberais são trabalhadores detentores de qualificações de natureza intelectual, incluindo as artísticas e culturais, que assumem a sua responsabilidade, autonomia e independência no superior interesse dos consumidores e da comunidade em geral, independentemente de exercerem a profissão de forma independente ou por conta de outrem.

O DataHub das Profissões Liberais que será apresentado no fórum a realizar dia 23, no Porto, expõe o impacto do setor no país: 21,7 % do VAB, Valor Acrescentado Bruto da economia; 16,5% do emprego direto; 26,3% do tecido empresarial e 28,7% do investimento empresarial em I&D (Investigação e Desenvolvimento).

Por comparação, em Espanha, segundo a Unión Profesional, que agrupa cerca de 1 500 000 profissionais abrangendo os subsetores jurídico, da saúde, económico, social, científico, arquitetura, engenharia e docência, o setor dos serviços profissionais representa 13,1% do VAB da economia; 14,4% do emprego direto; 19,1% do tecido empresarial e mais de 30% do investimento empresarial em I&D. Ou seja, duas realidades muito próximas, como seria de prever, mas com um tratamento pouco favorável para os profissionais portugueses.

Com este evento, realizado com o apoio da Câmara do Porto, pretende a ANPL – Associação Nacional dos Profissionais Liberais discutir temas como os profissionais liberais em Portugal e na Europa e a sua importância para a construção europeia, e a necessidade de legislar sobre um futuro Estatuto do Profissional Liberal, imprescindível no interesse dos cidadãos, dos consumidores e dos profissionais.

A presença de Pedro Abrunhosa, conhecido cantautor profissional liberal, ajudará a evidenciar os profissionais liberais das artes e cultura, com as suas especificidades de proteção social e reconhecimento de direitos de autor e de propriedade intelectual.

Governo, oposições e empresas representados no fórum devem dar mais atenção a este setor. Cada vez há mais profissionais liberais e outros trabalhadores qualificados por conta própria. Nos últimos cinco anos, o número de trabalhadores independentes em Portugal com habilitações superiores cresceu cerca de 40%. O trabalho está em mudança acelerada, não o podemos ignorar.

Este artigo foi originalmente publicado no jornal JN a 15 de setembro de 2023.


23 de setembro: 1º Fórum do Profissional Liberal no Dia Mundial das Profissões Liberais

September 6, 2023

Há uma tradição de autonomia, de independência de autorregulação na organização das profissões liberais que, de forma evolutiva naturalmente nos acompanha até aos dias de hoje. Valores só possíveis de serem assegurados e regulados em sociedades livres e democráticas. Nas sociedades totalitárias não existem profissões liberais, pois são controladas pelo Estado, pelo poder político.

Sendo o Porto uma cidade de tradições empreendedoras, um ecossistema reconhecido pela sua inovação profissional e empresarial, a Associação Nacional dos Profissionais Liberais (ANPL) constituída há dois anos atrás, não podia deixar de aí realizar o seu 1º Fórum Profissional.

Com este evento, realizado com o apoio e em parceria com a Câmara Municipal do Porto, pretende a ANPL prestar contas à sociedade e aos profissionais que representa, apresentar as suas atividades e projetos aos seus parceiros sociais e institucionais, bem como às instituições públicas nacionais e comunitárias e a individualidades de referência no mundo da organização e relações laborais, nacionais e internacionais.

Nesse dia 23 de setembro, comemora-se simultaneamente o Dia Mundial das Profissões Liberais.

Para tal, um conjunto de instituições e personalidades com interesse e conexão a este universo de profissões foram convidadas a participar e interagir com uma audiência que será constituída fundamentalmente por profissionais liberais, para os quais o acesso, mediante inscrição, é gratuito.

Temas como a Representatividade dos Profissionais Liberais, o Estatuto do Profissional Liberal, o Exercício das Profissões Liberais em Portugal, na Europa e no Mundo e o Futuro das Profissões Liberais, irão ser discutidos em vários painéis multidisciplinares. Uma visão sobre os Profissionais Liberais na Europa e a sua importância para a construção europeia, com a participação do European Council of Liberal Professions e da Unión Profesional de España, irá também ser análise e discussão.

Qual a origem histórica das profissões liberais? Porque se designam assim?

Segundo o Comité Económico e Social Europeu*, em termos históricos, de acordo com Cícero e Séneca, eram atividades dignas de uma pessoa livre e a aprendizagem das mesmas, era na verdade, uma necessidade para qualquer cidadão romano livre. Em tempos antigos, atividades como as de professor, advogado, mestre construtor, arquiteto, engenheiro e médico eram descritas como “artes liberales”. Assim, este termo estava fundamentado numa avaliação social, moral e legal da atividade em questão. Atividades como trabalho nos campos ou ofícios manuais, ou seja, atividades físicas em oposição ás atividades intelectuais, eram classificadas como “operae illiberales”, porque essas eram exercidas pelos não-livres (principalmente escravos). O exercício das “artes liberales” era assim um privilégio dos cidadãos “livres”.

A compreensão atual do conceito de “profissão liberal” felizmente desenvolveu-se… Até ao século XVIII, o termo “artes liberales” continuou a ser aplicado a atividades “intelectuais”. Neste ponto, o termo deixou de estar ligado ao atributo pessoal de “nascimento livre” e passou a estar ligado à atividade profissional realizada.

Sob a influência do liberalismo, uma nova consciência corporativa das profissões liberais desenvolveu-se ao longo do século do século XIX. Concomitantemente, foram estabelecidos corpos profissionais independentes, que agrupavam os interesses das respetivas profissões. Em muitos lugares, a organização das profissões liberais criou a base para as primeiras iniciativas de regulamentação profissional, nomeadamente a separação das profissões liberais da supervisão e controle estritos do Estado. De facto, muitas profissões liberais, como as jurídicas, médicas e farmacêuticas, estavam até ao início do século XIX intimamente integradas nas estruturas estatais.

Há uma tradição de autonomia, de independência, de autorregulação na organização das profissões liberais que, de forma evolutiva naturalmente nos acompanha até aos dias de hoje. Valores só possíveis de serem assegurados em sociedades livres e democráticas. Nas sociedades totalitárias não existem profissões liberais, pois são controladas pelo Estado, pelo poder político.

E hoje em dia, o que é então um profissional liberal? E uma profissão liberal?

Uma das dificuldades com que nos deparamos na União Europeia e nos Estados Unidos, é a falta de uma uniformização efetiva de conceitos e a fragmentação que decorre desta forma de trabalho, prejudicando a sua relação com os consumidores, retirando competitividade ao tecido económico-social. Existem vários conceitos e definições para descrever o que é nos tempos atuais, um profissional liberal. Vejamos algumas.

Nos EUA, o conceito adotado é de freelancer ou self- employed. Utilizar o termo profissional liberal, pode ser confundido com o conceito político norte-americano de libertário…

No Brasil, a Confederação Nacional das Profissões Liberais a definição de profissional liberal, “diz respeito àqueles profissionais, trabalhadores, que podem exercer com liberdade e autonomia a sua profissão, decorrente de formação técnica ou superior específica , legalmente reconhecida , formação essa advinda de estudos e de conhecimentos técnicos e científicos. O exercício de sua profissão pode ser dado com ou sem vínculo empregatício específico, mas sempre regulamentado por organismos fiscalizadores do exercício profissional.”

Na Europa do Norte, utiliza-se mais o termo self- employed, trabalhador por conta própria, secundarizando-se o caráter e a especificidade das profissões com uma marcada componente intelectual e capacidade de autorregulação. Existe, no entanto, compreensão do termo profissional liberal.

O Tribunal de Justiça Europeu, num julgamento ocorrido em 2001, refere sobre profissões liberais, “atividades que possuem um carácter intelectual marcado, exigem uma qualificação de alto nível e geralmente estão sujeitas a regulamentação profissional clara e rigorosa. No exercício de tais atividades, o elemento pessoal é de especial importância e tal exercício envolve uma grande medida de independência na realização de atividades profissionais.”

Segundo o CESE,

“Os profissionais liberais prestam serviços intelectuais com base numa qualificação ou habilitação profissional específica. Estes serviços caracterizam-se por um elemento pessoal e baseiam-se numa relação de confiança. Os profissionais liberais exercem a sua atividade mediante responsabilidade pessoal e independência profissional, estando sujeitos a uma deontologia profissional, vinculados aos interesses dos seus clientes e ao bem comum e subordinados a um sistema de organização e supervisão da profissão.”

Já a Comissão Europeia,na Diretiva sobre o reconhecimento de qualificações profissionais 2005/ 36/ CE na versão revista de 2013, refere, “ …as profissões liberais que são, nos termos da presente diretiva, as exercidas com base em qualificações profissionais específicas, a título pessoal, sob responsabilidade própria e de forma independente por profissionais que prestam serviços de carácter intelectual, no interesse dos clientes e do público em geral.”

De acordo com o Manifesto de Roma, assinado em 2017 e adotado pelo CESE,

 …”as profissões liberais consistem na prestação de serviços intelectuais com base numa qualificação ou habilitação profissional especifica. Estes serviços caracterizam-se por um elemento pessoal e baseiam-se numa relação de confiança. Os profissionais liberais exercem a sua atividade mediante responsabilidade pessoal e independência profissional, estando sujeitos a uma deontologia profissional, vinculados aos interesses dos seus clientes e ao bem comum e subordinados a um sistema de organização e supervisão da profissão. Esta definição não é exaustiva, mas está aberta a novas evoluções tecnológicas e a novas profissões. O Manifesto de Roma revela que estas características são indicativas das profissões liberais, mas nem sempre têm de ser cumulativas”.

Como vemos, o conceito de profissão e profissional liberal, não está harmonizado no espaço europeu. Uma urgência que se impõe.

A descrição que adotamos na ANPL, face à indiferença histórica do Estado português relativamente ás problemáticas associadas a estas profissões e profissionais, é o de trabalhadores “detentores de qualificações de natureza intelectual, incluindo aquelas de índole artística e cultural, promovendo a sua responsabilidade, autonomia e independência no superior interesse dos consumidores e da comunidade em geral”. É uma definição  focada , mas também  abrangente para acomodar no seu seio, não apenas as clássicas profissões liberais, auto reguladas pelas respetivas ordens profissionais e ainda  outras regulamentadas diretamente pelo Estado português ou por algumas instituições associativas privadas , mas também    um conjunto de outros profissionais em diversas áreas, por exemplo Encarregados de Proteção de Dados, Analistas de Dados ,Consultores Financeiros, de Estratégia, Informáticos, Instrutores, Chefes de Cozinha, Coachers, Designers, Jornalistas, Designers, Músicos, Encenadores, Professores,  Escritores, Galeristas, Tradutores Especializados, Antiquários, de entre muitas outras, muitas delas jovens profissões.

Biblioteca Almeida Garret, nos Jardins do Palácio de Cristal, onde decorrerá o Fórum Profissional Liberal.

A ANPL constituiu-se para acrescentar valor, para defender e promover as profissões liberais, na fiscalidade, na proteção social, no combate ao subemprego, no apoio à paternalidade, só para dar alguns exemplos. E, last but not least, para que estes profissionais sejam convenientemente ouvidos, reconhecidos, e valorizados, pois, só desta forma ajudaremos a evitar a saída de muitos dos mais qualificados do nosso País, a proletarização destas profissões, a ansiedade financeira daí decorrente, a subalternização da sua importância por parte de um Estado anquilosado e a afetação da qualidade na prestação dos respetivos serviços ao mercado, ás empresas e aos consumidores individuais.

Queremos ser profissionais liberais assumindo os ricos do autoemprego, do empreendedorismo, da incerteza e até da autonomia dentro das organizações. Mas, para tal, temos que ser convenientemente levados em conta, com a construção de um Estatuto Legal que enquadre e confira equidade à especificidade desta forma de trabalho face às outras profissões.

O intuito da ANPL é o de interagir com os profissionais liberais, com a sociedade civil e colocar de uma forma integrada, em cima da mesa, algumas das grandes questões que serão absolutamente determinantes para que esta forma de trabalho seja encarada pelos poderes públicos, pelo poder político, reguladores e sociedade civil de forma diferente, pois de facto é diferente o exercício liberal das profissões.

Afastando corporativismos serôdios ou elitismos prosaicos, as profissões liberais querem mostrar-se suficientemente abrangentes para se assumirem com um conjunto de valores comuns que lhes são transversais, e a partir dessa matriz, identificada que está em Portugal a inaceitável realidade de profissionais liberais sem representação e defesa plena dos seus interesses nas vertentes económica, fiscal e proteção social, como aqui no Observador se tem escrito.

Comprometemo-nos com princípios e valores comuns ás nossas profissões, tais como a responsabilidade, a confiança, a confidencialidade na manutenção do sigilo profissional, a proteção dos dados dos clientes , da propriedade intelectual e dos direitos de autor e a manifestação e exclusão de conflitos de interesse.

Os profissionais liberais prestam serviços de forma personalizada, e assumem responsabilidade integral pelos mesmos, independentemente do vínculo profissional; comprometem-se ainda com códigos de ética e padrões de comportamento deontológico, assegurando a qualidade dos serviços prestados, boas práticas aplicáveis, honestidade e moralidade. A vertente comercial, não é, não pode ser o seu interesse primordial. Daí que se exija ás organizações onde ou para as quais prestamos serviços iguais, compromissos de ética e o cumprimento escrupuloso de códigos de conduta por parte dessas organizações.

É fundamental a autorregulação de vertentes relevantes da nossa atividade e o controlo dos nossos pares, e da sociedade em geral, embora enquadrados pela interpretação do interesse público numa perspetiva de valor social da autorregulação.

Fruto da interação direta com clientes, consumidores, cidadãos de uma forma geral, os profissionais liberais baseiam a sua reputação no seu bom nome, na flexibilidade e agilidade que muitas vezes introduzem nos serviços que prestam, de forma presencial ou remota o que lhes dá um carácter de resiliência que outros setores profissionais não revelam.

Como tal, os profissionais liberais investem na sua formação ao longo da vida, ao nível técnico e científico e na adoção de novas tecnologias aplicáveis.

Concluindo, precisamos de estudar e quantificar de forma adequada e em detalhe a realidade dos profissionais liberais em Portugal.

Esperamos que o nosso 1º Fórum sirva de inspiração para uma nova dinâmica que ajude os nossos jovens, particularmente os mais qualificados a exercerem as suas profissões de forma liberal em Portugal caso seja essa a vontade e sobretudo invertendo a tendência de crescente proletarização destes profissionais.

Orlando Monteiro da Silva

Presidente da Associação Nacional dos Profissionais Liberais

Uma versão deste artigo foi originalmente publicado no jornal Observador a 3 de setembro de 2023.

* European Economic and Social Committee, Ulmer, K., Moll, N., Dorando, T., et al., The state of liberal professions concerning their functions and relevance to European civil society, European Economic and Social Committee, 2014


Entrevista ao podcast Sorrir Melhor (segunda parte)

August 23, 2023

Nesta segunda parte da conversa, muito ficou por dizer. Complemento no texto em baixo…

A minha personalidade é a de um nº 3 do Eneagrama. 

Foco-me muito em resultados. E sempre transmiti isso a todas as equipas com que trabalhei e que integrei. Liderando ou sendo liderado.

Assim, nos quase 20 anos em que liderei a Ordem dos Médicos Dentistas, fomos decisivos para:

  • Aumentar a acessibilidade da população à saúde oral de cerca de 15%, em 2001, para mais de 60% em 2020. Todos juntos, conseguimos:
    • Na prática privada da profissão, integrados numa rede de cerca de 6000 clínicas e consultórios de medicina dentária que cobrem 97% do território nacional;
    • Com a ajuda do programa Cheque-Dentista, 3,5 milhões de portugueses acederam a consultas de medicina dentária;
    • E, mais tarde, com a integração de cerca de 120 médicos dentistas no SNS.
  • Atingir o reconhecimento pleno da medicina dentária como uma profissão médica, e dos médicos dentistas como “médicos de saúde oral”, alargando o seu papel e a sua intervenção na sociedade, mediante a introdução de especialidades e de competências em medicina dentária.
  • Combater com êxito a, então, elevadíssima taxa de sucesso o exercício ilegal da profissão.
  • Licenciar e certificar o universo de consultórios e clínicas dentárias a operar.
  • Criar um Observatório de Saúde Oral, que permitiu estudar e promover a profissão e a saúde oral através de barómetros, campanhas e estudos, que proporcionaram visibilidade pública e se revelaram eficazes e promotores de políticas de saúde pública mais efetivas.
  • Integrar na sociedade portuguesa o conceito de Saúde Oral/ Saúde Geral, um contributo essencial para a qualidade de vida dos portugueses.
  • Implementar Formação Contínua tendencialmente gratuita para todos os médicos dentistas.
  • Afirmar o Congresso da nossa Ordem como um dos maiores e mais prestigiados da Europa.
  • Implementar Especialidades e regulamentar Competências na medicina dentária.
  • Neste período, inquestionavelmente, projetamos a nossa profissão de forma efetiva e torná-la relevante, quer ao nível social quer nas plataformas de decisão pública.

A nível nacional, enquanto bastonário da nossa Ordem, foi possível ocupar lugares de destaque e de prestígio para todos nós:

  • Na Presidência do CNOP – Conselho Nacional das Ordens Profissionais;
  • No Conselho Económico e Social;
  • Em inúmeros grupos de trabalho e fóruns de diálogo com agentes políticos e da sociedade civil de uma forma geral.

A nível internacional através da participação ativa nos organismos mais representativos da profissão, designadamente: 

  • Na Presidência e Comités da FDI – Federação Dentária Internacional;
  • Na Presidência e Comités do CED – Conselho Europeu dos Médicos Dentistas; 
  • Na Presidência da FEDCAR – Federação dos Reguladores Europeus da Profissão;
  • Em diversas parcerias estabelecidas com os países de língua e expressão portuguesa, em especial o Brasil, e ainda no âmbito da Associação Dentária Lusófona.

Os médicos dentistas e a medicina dentária portuguesa são hoje reconhecidos automaticamente na União Europeia e considerados como profissionais valorizados a nível global.

Afirmo, com orgulho na profissão, que a medicina dentária praticada no nosso país ultrapassa em muito os limites das nossas fronteiras. Somos uma área de vanguarda, reconhecida como produtora de conhecimento e de mais-valias para Portugal.

Com cerca de 96% dos seus membros a exercer essencialmente no setor privado, num País em que o sistema público de saúde foi esquecendo, durante muitos anos, a saúde oral como área fundamental para a saúde pública, que o é. Nesse sentido, a OMD teve intervenção constante junto dos decisores públicos, criando uma lógica de permanente negociação visando defender a profissão, os médicos dentistas e as populações ou, tantas vezes, evitando que medidas danosas ou políticas erradas fossem implementadas.

Tal como outras profissões liberais, nestes últimos 20 anos, enfrentamos desafios muito difíceis:

  • A desregulação económica da profissão, decorrente da globalização;
  • A crise económica da crise do SubPrime e a subsequente intervenção da Troika;
  • A emigração daí decorrente, ainda em curso nos dias de hoje de médicos dentistas, grande parte das vezes forçada, nomeadamente no espaço europeu;
  • E, mais recentemente, a crise resultante da pandemia Covid-19, que obrigou à suspensão da atividade durante cerca de 45 dias. 

Mas, esta profissão é resiliente, os seus profissionais são bem preparados e muito capazes, e as pessoas precisam muito dela.

Neste podcast, deixo um agradecimento especial a todos os que comigo caminharam nestas quase duas décadas, quer integrando os órgãos sociais quer através da sua participação nas muitas iniciativas e atividades da nossa Ordem.

Em conjunto, deixamos o legado que mais nos deve orgulhar – uma Ordem respeitada, sempre ouvida, exemplarmente gerida, com um corpo de funcionários e colaboradores leais, dedicados, competentes, incondicionais na sua entrega, que constituem uma enorme mais-valia no dia-a-dia da Instituição. Constituem-se, autenticamente, no motor desta Ordem.

E, numa altura de crise generalizada do país, das instituições e das empresas, quero realçar o facto de deixarmos uma Ordem económica e financeiramente muito robusta, com 6 milhões de ativos financeiros  disponibilidades e excedentes financeiros mais do que suficientes para enfrentar o futuro. Num país em que a falta de recursos financeiros sempre pauta o funcionamento das suas instituições, peço-lhes que me permitam a veleidade de exibir um especial orgulho neste facto importante para todos nós, porque sem uma Ordem financeiramente saudável, a nossa profissão não teria quem a pudesse defender eficazmente.

Acabei as minhas funções de Bastonário por vontade própria, com a noção plena de ter servido a Ordem dos Médicos Dentistas e a profissão com o melhor do meu esforço, com as minhas qualidades e limitações,  mas sobretudo, com a consciência do dever cumprido.

Poderá ouvir a entrevista no Spotify, no Apple Podcasts ou Google Podcast.

Também poderá ouvir aqui diretamente o ficheiro áudio mp3.

A primeira parte da entrevista, publicada na semana passada, está disponível em Entrevista ao podcast Sorrir Melhor.