Profissionais Liberais de Portugal, Uni-vos!

January 29, 2024

No século XIX, Marx e Engels clamavam “Proletários de todos os países, Uni-vos!”.
Hoje, o slogan ecoa de novo, mas com uma nova voz, a dos profissionais liberais.

Na antecâmara de eleições legislativas e europeias a levar a cabo num Portugal empobrecido, emigrado e envelhecido, queria identificar alguns aspetos estruturais que possam ajudar a que a sociedade e decisores políticos tenham mais consciência que 50 anos depois do 25 de abril de 1974, a organização do trabalho não corresponde aos arquétipos legislativos edificados nos finais dos anos 70. Os velhos sindicatos e suas lideranças estão parados no tempo, acantonados nas barricadas de duas centrais sindicais incapazes de responder aos desafios laborais deste século. Vejamos então,

A Evolução do Mundo do Trabalho:
Desde o 25 de abril de 74 até os dias atuais, onde o trabalho remoto e a influência das plataformas eletrónicas redefinem as dinâmicas laborais, a evolução da organização do trabalho é assinalável. O cenário complexo é acentuado nos últimos anos pela presença crescente da Inteligência Artificial, Automação e Robótica.

Profissionais Liberais – Uma Força Singular:
Numa era de transformações, os profissionais liberais destacam-se pelas elevadas qualificações de que são detentores, pelo exercício profissional em valores eticamente enquadrados em códigos, pela formação contínua, numa lógica de responsabilidade e autorregulação. Estas características conferem não apenas autonomia e independência, mas também deveres, inspirando desejavelmente confiança ao consumidor e cidadãos em geral.

A Realidade Diversificada:
Com mais de 1 milhão de profissionais liberais em Portugal, provenientes de áreas tão diversas como a Saúde, Socioeconómica, Técnico- Científica, Jurídica, Artística e Cultural, a diversidade é evidente. Seja a trabalhar remotamente ou presencialmente, individualmente ou em equipas, este grupo profissional assume contornos sociológicos complexos, exigindo estudo e análise detalhada.

Informação e Literacia:
A despeito do impacto significativo que têm na sociedade, os dados sobre profissões liberais permanecem na penumbra. A ANPL, Associação Nacional dos Profissionais Liberais assume a missão de ajudar a evidenciar estes números expressivos e de identificar as barreiras enfrentadas pelos profissionais liberais em Portugal e além-fronteiras. Outros players estatais e organizações deverão também assumir um papel ativo na literacia sobre as profissões liberais.

Esperam-se no contexto das próximas eleições propostas programáticas concretas dos partidos políticos a propósito de,

Equidade Fiscal e Proteção Social: a carga fiscal deve ser avaliada com equidade relativamente a quem trabalha por conta de outrem; é urgente fazer convergir a proteção social dos profissionais liberais de encontro à sua especificidade.

Representação: no Conselho Económico e Social e na Concertação Social, é imperativo que a voz dos profissionais liberais seja ouvida, na defesa dos seus interesses nas áreas económica, fiscal e social.

Inclusão Diversificada: a representação deve ser abrangente, contemplando tanto profissões regulamentadas quanto não regulamentadas, refletindo a riqueza e complexidade do universo profissional dos profissionais liberais.

Desburocratização: pedimos uma revisão das regulamentações que nos asfixiam, reconhecendo a singularidade do nosso trabalho.

Os profissionais liberais não querem privilégios, mas equidade. No entanto, a falta de representação efetiva impede-nos de clamar em sede institucional por políticas que impactam diretamente nossas vidas profissionais. Chegou a hora de mudar esta narrativa e garantir que nossa voz seja ouvida.

As profissões liberais são fundamentais na defesa do estado de direito e dos valores inerentes à Europa e sua construção, os da Liberdade, da Democracia e da economia de mercado. Como motores de inovação e produtividade, a valorização dos profissionais liberais é crucial para o desenvolvimento económico do país. Somente quando convenientemente ouvidos e reconhecidos, evitaremos a proletarização crescente, a emigração dos mais qualificados e garantiremos um serviço de qualidade ás empresas e à sociedade, ajudando a impulsionar o crescimento de Portugal e da Europa.

No século XIX, Marx e Engels clamavam “Proletários de todos os países, Uni-vos!”.

Hoje, o slogan ecoa de novo, mas com uma nova voz, a dos profissionais liberais.

Artigo publicado originalmente a 28 de janeiro de 2024 no jornal Observador.


Dentistry: 24 trends for 24

January 25, 2024

Throughout 2023, I had the opportunity to follow and complete a series of postgraduate courses in management, regulation, bioethics and defence/cybersecurity.

At the same time, as part of my consultancy activities, I regularly take part in a series of webinars on wide-ranging topics with leading figures from all areas of knowledge, from companies, universities, the environment, digital, public health, regulation, security and defense, the independent practice of professions, among others.

Having not practiced clinically for some years now, I nevertheless feel even more like a dentist, more capable of writing this chronicle in which I will try to symbolically identify 24 trends that I believe will be decisive for global dentistry in 2024.

In the collaboration that I have renewed with O’JornalDentistry over the course of this year, I will develop some of these trends in a monthly chronicle, with an approach in which I will try to bring a different angle to all those who are interested in following the health sector and dentistry.

As usual, these chronicles will be written in Portuguese and translated into English. A greeting and thanks to the publisher Hermínia Guimarães and to the readers who receive them or look for them all over the world and who have encouraged us to renew this project where I collaborate pro bono.

These trends have been grouped in alphabetical order, due to my personal inability to organise them in any other way.

You can read the full article, in Portuguese or English, in the Portuguese monthly edition of Dentistry magazine:

Open the English version of the article (pdf).

Open the Portuguese version of the article (pdf).


A carreira de Medicina Dentária penDente no SNS. Sejamos pruDentes.

January 15, 2024

Depois de tantas promessas, de vários grupos de trabalho, relatórios e despachos por parte dos Governos do PS, que nos fará acreditar agora em Pedro Nuno Santos e que tudo não ficará uma vez penDente?

Pedro Nuno Santos afirmou no congresso do Partido Socialista: “iremos promover um programa de saúde oral que de forma gradual e progressiva garanta cuidados aos portugueses no SNS. E nesse esforço será fundamental a criação de uma carreira de medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde”…

Sejamos pruDentes com promessas repetidas e desde há muito penDentes...

Vamos a factos:

Em 2016, no Governo da geringonça que Pedro Nuno Santos já integrava, foi anunciada pelo ministro da saúde de então, Adalberto Campos Fernandes a decisão de criar gabinetes de saúde oral no SNS, através de um projeto piloto.

Esta intenção teve, como foi reconhecido o total apoio da Ordem dos Médicos Dentistas, fazendo no entanto vincar que a contratação de uma forma integrada de médicos dentistas, implicaria a criação de uma carreira de medicina dentária, que não existia.

Essa era aliás uma velha aspiração da medicina dentária portuguesa.

Adalberto Campos Fernandes avançou e bem com um projeto piloto em 13 centros de saúde do SNS, com a intenção divulgada de o alargar a todo o país, para a instalação de gabinetes de saúde oral. A intenção era avaliar o sucesso da experiência para avançar com o alargamento e a carreira de medicina dentária.

Em maio de 2017, reconhecendo-se o sucesso da experiência piloto o então Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, assinava um Despacho com a composição de um Grupo de Trabalho (GT) para estabelecer as bases da carreira de medicina dentária no SNS. Até aí, os médicos dentistas estavam a ser recrutados através de empresas de prestação de serviços com todos os inconvenientes para o projeto, afetando o acompanhamento dos utentes do SNS, dada a impossibilidade neste regime de motivar, fixar e dar condições de progressão aos médicos dentistas.

O GT, com total apoio e participação ativa da Ordem dos Médicos Dentistas, aprovou em novembro, menos de 6 meses depois, as bases e requisitos da referida carreira de medicina dentária para o SNS.

Pouco dias depois, a 17 de novembro de 2017, o mesmo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, atual Diretor Executivo do SNS, anunciou no congresso da Ordem dos Médicos Dentistas a que presidi como Bastonário, a aprovação pelo ministério da saúde de uma carreira especial de medicina dentária, proposta pelo GT onde o ministério e a Direção Geral da Saúde eram naturalmente liderantes. Estava aprovada assim pelo ministério uma carreira especial de medicina dentária da Administração Pública, classificada como de grau 3 em função da sua complexidade tendo Fernando Araújo informado que a proposta tinha já sido remetida ao ministério das Finanças.

Só que Mário Centeno, Ministro das Finanças do PS, cativava a carreira anunciada. Meteu-a na gaveta se preferirem. Apesar de todas as insistências efetuadas. E de todas as desculpas esfarrapadas que foram dadas, que no essencial revelaram falta de vontade política para concretizar a carreira aprovada e anunciada. Ficou penDente nas Finanças.

Avaliados, entretanto em de setembro de 2018 uma vez mais os resultados do projeto piloto, o Governo fazia um balanço positivo das experiências já implementadas e revelava que tinham sido então realizadas mais de 85 mil consultas de medicina dentária nos cuidados de saúde primários, envolvendo mais de 60 médicos dentistas e estomatologistas, garantindo o acesso a cuidados de saúde oral a mais de 36 mil utentes do SNS.

Ainda em setembro de 2018 o Ministério da Saúde ia mais além e assinava um protocolo com 65 municípios, que através do projeto “Saúde Oral para Todos” iria garantir consultas de medicina dentária nos seus centros de saúde. Passavam assim os Municípios a assumirem-se como os grandes investidores e protagonistas do projeto de inserção de gabinetes de saúde oral nos centros de saúde dos seus concelhos. Fernando Araújo, definia ainda os objetivos a médio prazo para a promoção da saúde oral nos cuidados de saúde primários. A meta do governo previa que até 2020 todos os concelhos do país disporiam de consultas de medicina dentária. Tudo parecia correr bem.

Assumiu, entretanto, funções, pouco depois, em Outubro de 2018 uma nova equipa no ministério da saúde liderada por Marta Temido. Daí em diante, enquanto a sua equipa esteve no ministério, até agosto de 2022, nada aconteceu a este propósito. Marta Temido assegurou que tudo ficou “penDente”…

Em janeiro de 2023, o atual ministro da saúde, Manuel Pizarro, reconhecendo o contributo e dedicação dos médicos dentistas em prol da melhoria da saúde dos portugueses deixou uma garantia no que toca a investimento no setor público: “ao fim de décadas, o SNS vai dar prioridade também à saúde oral”, explicou, salientando que o “Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) contempla verbas avultadas para a construção de gabinetes de saúde oral nos centros de saúde”.

Manuel Pizarro afirmava ainda por essa altura que se estavam a investir recursos e que “faltava criar um modelo estável e digno para os médicos dentistas no SNS”. Por isso, acrescentou, esse mecanismo de contratação seria “seguramente encontrado nesse ano”, o ano de 2023.

Pouco mais tarde, em fevereiro, Manuel Pizarro, voltava a referir que a criação da carreira de medicina dentária no SNS) iria avançar nesse ano. A Direção Executiva do SNS, nomeava entretanto um Grupo Operacional (GO) para relançar o projeto. Esse GO volta a concluir em dezembro de 2023 pela necessidade de criar a carreira especial de Medicina Dentária no SNS, de forma a valorizar, e incentivar a fixação de médicos dentistas nas suas unidades de saúde.

António Costa apresenta a demissão e …Tudo penDente uma vez mais….

Concluindo, apesar das várias insistências e diligências efetuadas pela Ordem dos Médicos Dentistas, por mim próprio até ao tempo que estive em funções, julho de 2020, e daí para cá pelo atual bastonário, Dr. Miguel Pavão, não só as metas do governo desde 2016 não foram atingidas, como a referida carreira não foi criada e as condições de exercício no SNS se degradaram em quantidade de gabinetes e nas condições necessárias ao seu funcionamento adequado.

Ou seja, regredimos em vez de termos avançado, apesar do financiamento existente proveniente de fundos da União Europeia. Ficamos penDentes portanto e os portugueses cada vez com menos dentes…

Resumindo: o Partido Socialista desde 2016, apresentou sucessivas promessas para a criação da carreira de medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde.

Criou dois grupos de trabalho, um projeto piloto, dois projetos de implementação estratégicos, Saúde Oral 1.0 e Saúde Oral 2.0 . Assinou vários protocolos para o efeito. Afirmou várias vezes a necessidade de criar uma carreira de medicina dentária, chegando mesmo a anunciá-la.

Neste distanciamento que tenho agora, pensando nos utentes do SNS, nos destinatários dos serviços de medicina dentária, nos baixíssimos índices de saúde oral da nossa população, e no facto de a grande maioria não ter acesso a cuidados ainda que básicos de medicina dentária por empobrecimento e incapacidade económica de aceder à prática privada, pergunto:

Depois de tantas promessas, de vários grupos de trabalho, relatórios e Despachos, por parte de diferentes responsáveis governamentais dos Governos do PS desde 2016, o que nos fará acreditar agora em Pedro Nuno Santos e que tudo não ficará uma vez mais penDente? De forma gradual e progressiva como promete Pedro Nuno Santos?

E, já agora, o que pensam os partidos políticos desta questão tão fundamental, dado o destaque central que lhe foi dado no Congresso do PS, como é a do acesso à medicina dentária? De que forma deverá ser operacionalizada? Duplicando a oferta no SNS ou aproveitado os mais de 5000 consultórios de medicina dentária que existem no país contratando pelo Estado tratamentos para a população e utentes do SNS? Ou uma combinação de ambas as abordagens?

Atento à realidade e aos anseios da nossa população, depois de quase 30 anos de exercício clínico da profissão e de 20 como bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, creio que estou a interpretar bem o sentir da população, dos destinatários da medicina dentária se se preferir, ao colocar estas questões para as quais se esperam respostas efetivas e sobretudo que todos sejamos pruDentes com promessas repetidas e ainda penDentes

Artigo publicado originalmente a 14 de janeiro de 2024 no jornal Observador.


Pedro e o lobo: a medicina dentária no SNS

January 10, 2024

Pedro Nuno Santos afirmou no Congresso do Partido Socialista: “Iremos promover um programa de saúde oral que de forma gradual e progressiva garanta cuidados aos portugueses no SNS. E nesse esforço será fundamental a criação de uma carreira de medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde”. Ao ouvir tal promessa solene, central no discurso do novo secretário-geral do Partido Socialista não pude evitar uma sensação profunda de déjà-vu…

O Partido Socialista, desde 2016, criou três grupos de trabalho, um projeto-piloto, dois documentos estratégicos e assinou diversos protocolos de intenções. Afirmou várias vezes a necessidade de criar uma carreira de medicina dentária, chegando mesmo a anunciá-la em 2017.

Depois de tantas promessas e anúncios por parte de diferentes responsáveis governamentais desde 2016, não correrá Pedro Nuno Santos o risco de ser interpretado pela população da mesma forma que o outro Pedro, o da história infantil do “Pedro e o lobo”, que de tanto anunciar à aldeia que vinha aí lobo sem que tal se verificasse, quando o animal veio ninguém acreditou. E será que o lobo alguma vez virá?

Recordemos que atualmente menos de 20% dos portugueses conseguem aceder a cuidados de saúde oral. Aqueles que têm capacidade económica para pagar os tratamentos nos consultórios privados diretamente do seu próprio bolso, ou indiretamente por seguros de saúde, os beneficiários da ADSE e os sortudos utentes do SNS que conseguem ser referenciados para os poucos centros de saúde e hospitais onde existem gabinetes de saúde oral.

E, já agora, o que pensam os restantes partidos políticos desta questão a que Pedro Nuno Santos, muito bem, emprestou destaque central no Congresso do PS, como é a do acesso à medicina dentária? De que forma deverá ser operacionalizada? Duplicando a oferta no SNS ou aproveitando os mais de cinco mil consultórios de medicina dentária que existem no país, contratando pelo Estado tratamentos para a população? Ou uma combinação de ambas as abordagens?

Atento à realidade e aos anseios da nossa população, depois de 30 anos de exercício clínico da profissão e de 20 como bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, creio que estou a interpretar bem o sentir da população, dos destinatários da medicina dentária se se preferir, ao colocar estas questões para as quais se esperam respostas efetivas e sobretudo… ação concreta!

Este artigo foi publicado originalmente a 10 de janeiro de 2024 na edição online do Jornal de Notícias.